sábado, julho 08, 2006

 

Reino Unido: O ano em que Londres perdeu a utopia cosmopolita

Um ano depois de sofrer os piores atentados terroristas da sua história, Londres recuperou a confiança, a normalidade e até os turistas, mas perdeu a imagem de cidade cosmopolita exemplar.
A ideia de ser um lugar onde todas as raças do planeta se cruzam e onde, ao contrário dos guetos de Nova Iorque e Paris, todos se integram pacificamente, dissipou-se durante esta «ressaca» de doze meses.
Uma «ilusão» foi como os responsáveis muçulmanos passaram a descrever esta utopia cosmopolita, quando começaram a sentir-se ofendidos com os comentários que ouviam na rua, com as acções demasiado zelosas da polícia, ou com o alegado desinteresse do governo face aos seus receios.
As autoridades, por outro lado, justificaram sempre a sua desconfiança apontando para o resultado das sondagens publicadas pela imprensa, em que se constata que uma minoria considerável desta comunidade, que inclui 1,6 milhões de pessoas, não esconde estar ao lado das manifestações do extremismo islâmico.
No último inquérito deste tipo, publicado esta semana pelo jornal The Times, 13 por cento da comunidade volta a considerar os terroristas que levaram a cabo os atentados de 07 de Julho como «mártires» do Islão.
A sondagem mostra ainda que 16 por cento dos muçulmanos residentes no Reino Unido - o equivalente a mais de 250 mil pessoas - considera que a causa do ataque do ano passado, em que morreram 52 pessoas, foi «justa».
E, finalmente, 65 por cento dos inquiridos diz taxativamente que a sua comunidade «não está integrada na sociedade britânica».
De acordo com alguns comentadores da imprensa britânica, não se via uma divisão da sociedade a este nível, envolvendo uma comunidade específica e tantas provocações, desde os famosos conflitos dos anos 70 que opuseram milhares de imigrantes africanos à polícia.
Mais importante ainda é o facto de ser uma comunidade que há pouco mais de um ano era considerada pelo próprio primeiro-ministro, Tony Blair, como uma das que melhor se integrava nos hábitos ingleses.
Abdul Tanilk, um muçulmano inglês descendente de imigrantes do Bangladesh que vive perto de Edgware Road, onde explodiu uma das bombas, explicou à Agência Lusa: «Para muitos de nós essa integração talvez tenha deixado de fazer sentido quando pudemos ver o que se passou a seguir aos atentados».
O que se passou, explica Tanilk, «foram os olhares das pessoas desconfiadas, que nos começaram a tratar a todos como terroristas só porque tínhamos barba. Foi a polícia a fazer erros atrás de erros, sempre contra os muçulmanos. E foi o governo a tratar-nos como estrangeiros, quando nós nascemos e vivemos aqui toda a vida».
à parte o lado mais subjectivo das acusações, Tanilk cita um ponto objectivo que constitui o segundo grande foco de conflitos: os erros da polícia.
Começaram com a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, confundido com um terrorista, e acabaram em várias operações anti-terroristas que não resultaram em nada, a não ser detenções de suspeitos que foram depois libertados sem sequer serem acusados.
O caso mais recente de um falhanço policial, em Forest Gate, onde a polícia montou uma mega-operação para desmantelar uma presumível fábrica de armas químicas, acabou por ser o mais humilhante para os agentes da Scotland Yard, que baseados em informações erradas atingiram a tiro um jovem aparentemente inocente.
Graças a estes actos, a polícia tornou-se no principal alvo das organizações de defesa das minorias, como a Liberty, que no último ano, tal foi a sua actividade, passou de entidade secundária na sociedade civil a presença diária em todos os meios de comunicação do país.
Apesar de tudo isto, e tal como milhares de londrinos prometeram no dia dos atentados, a cidade recuperou a sua rotina normal.
A rede de metropolitano retomou o transporte de três milhões de passageiros por dia, o centro financeiro da cidade voltou a bater recordes no final do ano, e os números de turistas regressaram aos mesmos níveis de 2004.
Diário Digital / Lusa
07-07-2006 12:06:00


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