quarta-feira, agosto 02, 2006

 
ECOS DA HISTÓRIA - Ano 1521

Os comícios multiplicavam-se na Alemanha, para discutir a religião, a política e o pão de cada dia.

A Bíblia andava nas mãos de todos os pregadores, fundados no ensinamento luterano de que todo o cristão é padre pelo baptismo e habilitado a doutrinar. Não adiantava aos reformadores, como Melanchton, predicar que a doutrina dizia respeito à Cidade de Deus, e não à vida civil.
O povo armado atacou os conventos, as propriedades laicas, as abadias, os castelos, e destruía, pilhava, incendiava. No Ducado de Baden, na Suábia, no Palatinado, na Baviera, em Hesse, na Turíngia, na Francónia, foi a devastação. Heróis guerreiros, como Hans Müller, impunham uma autoridade extensa. Apenas na Suábia, estima-se que o exército dos revoltados reunia 300.000 homens. As suas reivindicações constavam de um caderno de 1525, cuja redacção é atribuída ao pastor Balthazar Hubmaier, e que diz o seguinte:

"Ao leitor cristão paz e graça divina por Cristo.

Existem hoje anticristãos que exploram a oportunidade da reunião dos camponeses para blasfemarem dos Evangelhos, dizendo que a consequência será que ninguém obedecerá mais, que cada um se revoltará e rebelará, que se reunirão e congregarão em grande violência, que cada um pretenderá reformar as autoridades eclesiásticas e seculares, expulsá-las, e até massacrá-las; julgamentos perversos, ímpios, aos quais respondem os artigos seguintes:

1.º Que temos o direito de escolher nós próprios os nossos pastores, e destitui-los no caso de não procederem convenientemente;

2.º Visto que um dízimo legítimo é admitido pela Escritura Santa, nós consentimos em pagá-lo dentro de proporções honestas. O pastor receberá o que for necessário para a sua manutenção e dos seus, e o supérfluo consagrado à ajuda dos pobres da paróquia. Quanto ao «pequeno dízimo» não o pagaremos. Os animais foram criados por Deus para o livre uso dos homens; este dizimo é injusto, inventado pelos homens, nós não o pagaremos mais;

3.º Os insurgentes declaram que não querem continuar a ser tratados como coisa e propriedade do seu senhor; pelo seu sangue Jesus Cristo resgatou a humanidade inteira, tanto o pastor como o imperador;

4.º Não é justo nem caritativo que os camponeses não tenham qualquer direito sobre a caça dos bosques e dos campos, os pássaros do céu, os peixes dos rios, e que sejam constrangidos a sofrer as depredações feitas nos seus campos pelos animais das florestas;

5.º Os bosques, que antes eram bens comunais devem voltar a essa condição; e os habitantes do lugar devem ter o direito de ali colher com que se aqueçam e cozinhem de acordo com o juízo de um homem bom;

6.º As obrigações de trabalho, que se vão tornando cada vez mais pesadas, devem ser aliviadas;

7.º Que o senhor não exija mais dias de trabalho do que o estabelecido na carta comunal;

8.º Numerosas terras estão sobrecarregadas de censos muito elevados, que sejam reduzidos de acordo com a avaliação de um árbitro autorizado, «de modo que o homem dos campos não trabalhe sem retribuição, todo. o trabalhador tem direito a um salário»;

9.º A justiça já não é distribuída com equidade, as penalidades são constantemente modificadas; que se observem os antigos textos;

10.º Que os campos e terras subtraídos ilegalmente ao património comunal lhe sejam devolvidos;

11.º Que sejam abolidos os direitos sucessórios, espoliação da viúva e do órfão, contrária à vontade de Deus;

12.º Que se qualquer dos artigos acima estabelecidos for contrário à Santa Escritura, a ele renunciamos imediatamente. Que a Paz de Cristo seja com todos! Amen.
"

Lutero, esquecendo a sua própria revolta, acabou por condenar totalmente o movimento. Publicou um panfleto Contra as hordas de salteadores e assassinos camponeses, onde incita a autoridade civil a massacrar, incendiar, destruir os revoltosos: «Os nossos príncipes devem pensar que são, nas actuais circunstâncias, agentes da cólera divina e que esta manda castigar semelhantes tratantes. Um príncipe que não o fizesse pecaria altamente contra Deus; faltaria à sua missão. Um príncipe que, nesta circunstância, evitasse derramar o sangue, tornar-se-ia responsável pelas mortes e por todo o mal que estes canalhas possam ainda vir a praticar.» Na batalha de Boblingen, a 12 de Maio de 1525, os príncipes coligados liquidaram a revolta. Os camponeses morreram cantando Vinde Espírito Santo. O seu herói, Thomas MüIler, aprisionado a 15 de Maio, foi decapitado. As bolsas existentes foram brutalmente reduzidas. O prudente Erasmo não deixou de responsabilizar Lutero pelo sangue derramado.

Fonte:
Adriano Moreira, «As teses de Lutero», Estratégia, vol. VIII: Legado Político do Ocidente (O Homem e o Estado), n.º coord. por Adriano Moreira, Alejandro Bugallo e Celso Albuquerque, Lisboa, 1995, págs. 120-133.

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