sexta-feira, fevereiro 16, 2007

 
Memória como alavanca do futuro
João Mattos e Silva *

É argumento dos republicanos dos nossos tempos, contra os muitos que continuam a defender a Monarquia como o melhor regime que unindo a tradição, a estabilidade, independência da representação da Nação e do Estado e os valores imutáveis da nacionalidade e a democracia política, de que vivem do passado e quereriam regressar a esse passado. A República seria, segundo eles, sinónimo de modernidade e de futuro. Nada mais enganoso e mais falso, porque eles sabem perfeitamente que assim não é e que, na Europa a que pertencemos e onde estamos integrados, são exactamente as monarquias os regimes dos países mais evoluídos política e socialmente. A maioria dos monárquicos não defende o regresso ao passado, a não ser a um constitucionalismo adaptado aos dias de hoje, que o Estado Novo, autoritário e anti-democrático, quis apagar da lembrança dos portugueses.
Saber respeitar e orgulhar-se do passado histórico, no que ele teve de grandioso, deve ser, para qualquer português de qualquer ideologia, um dever de patriotismo e de cidadania, como reconhecer os erros desse passado colectivo um acto de inteligência, para que no presente e no futuro não se repitam. O que, é bem verdade, nem sempre tem acontecido. A memória da História e de factos, figuras e datas relevantes dessa mesma História Pátria não é, nem pode ser nunca, um acto político em si mesmo ou uma justificação para a sua inexistência mas, na sua preservação, uma alavanca para o futuro.
É essa memória que os monárquicos querem preservar para que os portugueses não esqueçam, como os republicanos em particular gostariam, quando celebram com romagens simbólicas e actos religiosos piedosos, o acto vil, cobarde e criminoso, do regicídio, ocorrido em 1 de Fevereiro de 1908, cujo centenário terá lugar no próximo ano.
Acto primeiro da República, o assassinato do rei Dom Carlos e do príncipe real Dom Luís Filipe, foi a matriz do regime que revolucionariamente foi imposto dois anos depois e de facto, o fim da Monarquia, que contava quase oito séculos e a cuja sombra se criou, alargou, consolidou, expandiu e enobreceu na Europa e no mundo que ajudou a conhecer, o País que somos. Acto que, embora não tenha merecido a concordância de todos os republicanos, foi defendido e incentivado por republicanos, preparado, financiado e aplaudido por membros destacados do Partido Republicano, perpetrado por republicanos: anarquistas, carbonários e maçons. É esse acto hediondo, fundador do regime que haveria de tragar alguns dos seus filhos com novos crimes, como Sidónio Pais, António Granjo, Machado Santos e Manuel da Maia, entre outros, que não pode ser esquecido, como não podem ser esquecidas a figura de Dom Carlos I, um rei a quem a posteridade veio reconhecer como um grande estadista e a figura do jovem e promissor Dom Luís Filipe. Como não podem ser esquecidos – não deverão ser esquecidos – os verdadeiros responsáveis por essas mortes, políticas e políticos da Monarquia, anteriores e posteriores a 1908 e os que em nome da revolução republicana as incentivaram e mandaram executar.
Ao celebrar-se o centenário do regicídio, seria um serviço prestado à verdade e à justiça, encontrar-se e conhecer-se o processo judicial que, adequadamente, desapareceu e teria sido julgado nos primeiros dias de 1910, não fosse a revolução ter-se apressado. Processo que esteve encerrado no cofre de Afonso Costa, Ministro da Justiça do Governo Provisório da República, cópias que, uma teria sido roubada da casa de Dom Manuel II, em Londres, outra teria sido entregue ao Ministro do Interior ou a Salazar e outra que existira no Porto. Do original e cópias ninguém consegue encontrar senão partes ou folhas soltas, embora conste que um conhecido e ilustre membro do Grande Oriente Lusitano, já desaparecido, teria no seu arquivo o original ou uma das cópias. A República, a dois anos de comemorar cem anos e a Maçonaria, não terão coragem de o fazer…
Os monárquicos, ao lembrar esse crime, não clamam por vingança, mas por justiça. Não a dos tribunais mas a da História, para que não fique impune perante a memória dos portugueses deste tempo esse acto fundador do regime que nos foi imposto e para que o futuro, que pretendem construir, se possa fazer na certeza de que o passado, também o mau, deve ser lembrado.

* Nota: o texto publicado é da exclusiva responsabilidade do autor.
15-02-2007 21:17:56

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