sexta-feira, junho 01, 2007

 
Islândia: portugueses repudiam acusações de «escravidão»

Um abaixo-assinado de portugueses que repudia acusações de «escravidão» proferidas por um ex-trabalhador começou a circular no estaleiro da barragem de Karahjunkar, quando a imprensa islandesa revela «assédio sexual» de altos quadros italianos a uma empregada chinesa.

Assinado já por muitas dezenas de trabalhadores portugueses, de entre cerca de 300 operários nacionais na maior obra de sempre na Islândia, a petição desagrava os patrões do projecto e a empresa de Portugal que colocou os operários em Karahjunkar das acusações de «escravidão» proferidas no fim de semana por um ex-trabalhador, José Santos.

A Lusa, que se deslocou ao estaleiro, no leste da Islândia, numa viagem organizada pela dona da obra, a construtora italiana Impregilo, e pela Select, empresa de recrutamento de trabalho temporário em Portugal, teve acesso ao documento, escrito em mau português e que um trabalhador português descreveu como «iniciativa da administração italiana».

«Nós estamos decepcionados porque o governo e os sindicatos não puderam nos fornecer com trabalho decente em Portugal, o que nos obriga assim a procurar trabalho decente e bem pago no estrangeiro, nos transformam num alvo de atenção enganadora e de mentiras pelo meio de comunicação e pelo sindicato por razões que não tem nada a ver com nosso bem estar», refere o preâmbulo do abaixo-assinado.

Na quarta-feira, o documento já fora assinado por um grande número de trabalhadores, reflectindo a opinião prevalecente no estaleiro de que as acusações de José Santos «são ridículas e maldosas».

No fim-de-semana, o pedreiro, que trabalhou 13 dias nas obras de uma das maiores barragens da Europa, acusou as duas empresas de práticas de «escravidão», dando como exemplos ter assinado um contrato de 403 euros com a Select, cujo valor, sem horas extraordinárias, é muito inferior ao salário mínimo islandês, acrescentando que era obrigado a trabalhar 11 horas diárias num túnel, «com água até aos joelhos», local onde era igualmente forçado a almoçar.

As acusações de Santos foram secundadas pelo Sindicato dos Trabalhadores de Construção Civil do Norte, que as encaminhou para o secretário de Estado das Comunidades, António Braga, e para a Inspecção-Geral do Trabalho.

Em declarações à Lusa, Oddur Fridriksson, representante no estaleiro da Federação dos Sindicatos Islandeses, manifestou estranheza pelo teor das acusações do trabalhador português.

«Fiquei um pouco surpreendido porque nos últimos 18 meses não tivemos qualquer queixa por parte dos trabalhadores portugueses», disse Oddur.

«Achamos que o ambiente de trabalho é bom, apesar da sua dureza que decorre da natureza da obra», acrescentou o dirigente sindical, que disse não ter recebido qualquer pedido de informação por parte de sindicatos portugueses.

Contactado telefonicamente pela Lusa a partir da Islândia, Albano Ribeiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Construção Civil do Norte, reiterou as acusações e acusou de traição os seus pares islandeses.

«Esse sindicato da Islândia é de traidores que não defendem os trabalhadores, muito menos os nossos», acusou Ribeiro que, em 2003, se deslocou a Karahjunkar, na sequência de uma ameaça de greve por trabalhadores portugueses.

Agora, diz que não vai à obra por não estar «para ser ofendido por pessoas ao serviço da empresa».

A polémica no estaleiro está a ser acompanhada pela imprensa islandesa, cujos principais jornais reproduziam na quarta-feira acusações de uma antiga funcionária islandesa da italiana Impregilo de assédio sexual a uma trabalhadora chinesa.

Com o título «Não quero ser heroína», o jornal Morgunblad refere que Hrafndís Bára Einasdóttir revelou uma tentativa falhada de assédio sexual por quadros italianos, que não nomeou, a uma chinesa que saiu da empresa.

«Nós, os islandeses, nunca aceitaríamos trabalhar naquelas condições», acrescenta Hrafnis, que diz concordar com as acusações de portugueses sobre o trabalho nos túneis.

As declarações da ex-funcionária foram publicadas por outros jornais nacionais, como o Frettbladid, e os electrónicos RUV e MBL, e levaram a uma tomada de posição do sindicato regional AFL.

Em declarações à Lusa, Hrafndís Bára Einasdóttir disse esperar que as denúncias surgidas em Portugal contribuam «para acabar com esta degradação» e reiterou que as condições no campo não são aceitáveis para os islandeses.

«Há muito poucos islandeses a trabalhar ali porque nós temos opiniões muito fortes e francas e os italianos não gostam disso», disse a ex-funcionária, que trabalhou para Impregilo, no departamento de segurança, entre Setembro de 2006 e Fevereiro deste ano, altura em que se demitiu.

Esta estrutura manifestou na quarta-feira a esperança que a visita ao estaleiro do embaixador português em Oslo, João Pimentel, prevista para esta semana, permita clarificar a situação.

A AFL denunciou igualmente o despedimento de trabalhadores estrangeiros, em simultâneo com a marcação de voos de regresso no mesmo dia, o que os impediu de se «informarem sobre os seus direitos».

Em declarações à Lusa, o director de operações da Impregilo, Gianni Porta, garantiu que as relações laborais, entre as quais a tabela salarial, se realizam no quadro do acordo Power Project Agreement (PPA), assinado entre os diversos intervenientes e os sindicatos islandeses.

«Não há maneira de, por exemplo, alguém ganhar mais que outro na mesma função», disse Porta, sobre acusações de Santos de que os operários italianos ganham mais do que os portugueses.

«Em relação aos italianos estamos mal de massa», confirmou Paulo Moreira, operador de projecção de cimento, há dois meses na obra e «muito feliz» por ali trabalhar.

Situada numa região remota da Islândia, a 700 quilómetros a nordeste da capital, Reiquejavique, a barragem de Karahjunkar irá fornecer energia eléctrica a uma gigantesca fábrica de alumínio que ali vai ser construída por uma multinacional norte-americana.

Parte da obra, na qual já participaram milhares de operários de cerca de meia centena de nacionalidades, destina-se a construir um túnel de 40 quilómetros, num trabalho bastante duro e realizado debaixo de rigorosas condições atmosféricas com as temperaturas a rondarem 30 graus negativos no exterior, durante o longo Inverno.

As críticas do português não são inéditas na obra, tendo em 2003 os operários oriundos de Portugal ameaçado com uma greve que não se realizou. Diversos operários e outros intervenientes contactados no estaleiro pela Lusa reconhecem que a taxa de abandono do contrato por parte dos portugueses é «significativa».

Diário Digital / Lusa

31-05-2007 11:46:00


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